As empresas estão em busca de talentos digitais no mercado, mas estão tendo dificuldades para contratação. Um exemplo é Eduardo Fleury, presidente no Brasil da Kayak, site de busca de viagens, que precisa contratar um gerente de marketing para acelerar o uso do serviço no país. Em dezembro de 2016, ele anunciou a vaga no site da empresa e nas redes sociais, prometendo salário compatível com o mercado, horário flexível, dia de folga no aniversário e o compromisso de nunca realizar reuniões inúteis. Em troca, pedia cinco anos de experiência em marketing de tecnologia do consumidor, conhecimento em mídia e em novas plataformas digitais, e facilidade para trabalhar num ambiente orientado a dados. “Somos uma empresa totalmente digital. A maioria dos currículos nem cita experiência nessa plataforma”, diz.
Depois de receber mais de 1.400 inscrições, em abril de 2017 Fleury empregou uma profissional que atendia às especificações, com experiência tanto em multinacionais como em startups. Mas, por um motivo pessoal, ela deixou a Kayak em setembro. E Eduardo Fleury retornou ao ponto zero.
Assim como ele, outros líderes de negócio, independentemente do tamanho da organização ou do segmento de atuação, procuram profissionais para competir num ambiente cada vez mais tecnológico — e também sofrem para encontrá-los.
Estudos indicam que metade das corporações não tem as capacidades necessárias para ajudar na tão sonhada transformação digital. E pior: segundo uma pesquisa do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e da Deloitte com 3.700 executivos de 131 países, apenas 10% das companhias em estágio inicial de digitalização conseguem atrair os funcionários que desejam.
O resultado é uma nova guerra por mão de obra. A Revelo, startup de recrutamento online com 140.000 candidatos cadastrados, viu a caça por desenvolvedores e programadores de software mais do que dobrar no primeiro trimestre de 2017, enquanto a demanda por profissionais de marketing digital e de conteúdo (analistas de SEO, growth hackers, web analytics) aumentou seis vezes no mesmo período.
A procura maior por um produto escasso leva a um fenômeno tipicamente capitalista: a alta do preço. Segundo a Robert Half, consultoria de recrutamento e seleção, o salário para cargos com habilidades digitais em 2017 apresentou um incremento de até 7% em relação a 2016. Um cientista de dados, por exemplo, pode ganhar 28.000 reais, enquanto um engenheiro de big data, 40.000 reais.
“Definitivamente há uma escassez de talentos para trabalhar em áreas digitais neste momento. É um problema global”, afirma Andrew Tarling, pesquisador do Global Center for Digital Business Transformation, iniciativa da universidade IMD e da fornecedora de tecnologia Cisco para realizar estudos e análises sobre a transformação nos negócios.
Quem são e onde estão
Em resposta a esse mundo tecnológico, grande parte dos líderes de recursos humanos cria posições com foco no digital — ou simplesmente transforma funções tradicionais em algo high tech. A lista de cargos é extensa. Existem agora estrategistas digitais, gerentes de marketing digital, designers de aplicativos para celular, estrategistas de inovação e desenvolvedores web. Nos próximos dois a três anos, a consultoria Capgemini estima ainda um aumento na demanda por chiefs digital officer (CDO), consultores de privacidade e chefes de internet das coisas (chief IoT officer).
Apesar de tantas funções, o relatório Cracking the Digital Code, da McKinsey, diz que a “promessa da digitalização parece mais uma esperança do que uma realidade”. A principal barreira para atingir a estratégia de transformação é a ausência de líderes e de talentos digitais — seguida pela falta de entendimento sobre como as tendências tecnológicas afetam a organização e sobre o setor em que está inserida.
Mas quem pensa que “talentos digitais” se resumem a jovens e profissionais bons em linguagens de programação, bits e bytes, está enganado. Tão ou mais importante quanto ter as novas tecnologias é saber reunir pessoas capazes de usá-las e adaptá-las para atender às necessidades do negócio e dos clientes; é ter gente de vanguarda, com visão transformadora. “A companhia do mundo digital é uma mescla de habilidades comportamentais e técnicas”, diz Ana Karina Dias, sócia da consultoria McKinsey no Brasil.
A importância do comportamento faz sentido, uma vez que, com os avanços da tecnologia da informação, os usuários poderão apenas “pegar e arrastar” dados de uma tela para outra e esperar que o sistema, sozinho, providencie em segundos análises mais robustas do que um humano teria capacidade de fazer. A digitalização, ao mesmo tempo em que é crítica para o negócio, também é “comoditizada”.
Dos 1.250 executivos que responderam a uma pesquisa global da consultoria Capgemini, em parceria com o LinkedIn, 60% afirmam que a carência em soft skills (lidar bem com ambiguidades, por exemplo) é maior do que nas hard skills (como cloud computing). Ser orientado ao consumidor e ter paixão por aprender são as habilidades mais raras.
Fazendas de talentos
Para as organizações que não nasceram digitais nem operam nesse setor, a dificuldade em encontrar os profissionais pode ser agravada pelo fato de elas nem mesmo saberem como delimitar o perfil que necessitam. No relatório Alingning the organization for its digital future, pesquisadores do MIT confirmam que as companhias no estágio inicial da transformação sofrem para atrair os funcionários que precisam. Apenas 10% são vitoriosas em fazer isso por conta própria, ante 71% das empresas maduras digitalmente. Por causa disso, as inexperientes recorrem a fornecedores de serviços e consultorias de recrutamento.
É o caso da Laureate International Universities, rede global de instituições de ensino superior, com 12.800 empregados no Brasil. Cristiana Gomes, diretora de desenvolvimento organizacional, percebeu que precisava alinhar o perfil dos trabalhadores e futuros líderes com o dos universitários. “Meu cliente é digital. Está presente nas redes sociais e busca respostas rápidas para suas questões. Precisamos de profissionais capazes de dar conta dessa demanda”, afirma.
Cristina contratou a startup LifeLike, que montou um site, acessível tanto por PC quanto por celular, para recrutar os trainees de 2017. A ferramenta mescla informações de currículos tradicionais (como experiências anteriores e educação formal) bem como vídeos e testes com situações reais para ser solucionados pelo candidato. “A plataforma nos indica a capacidade de ele resolver problemas, e é isso o que nos interessa”, diz. A Laureate também fará os trainees rodar entre as áreas durante os dois anos de duração do programa. Segundo a executiva, o programa atraiu 82% mais inscritos do que no ano anterior e menos candidatos desistiram no meio do processo.
Vale um alerta, porém. De acordo com a pesquisa do MIT, as iniciantes na jornada digital se voltam para os parques tecnológicos, como o Vale do Silício, nos Estados Unidos, ou o Porto Digital, no Brasil, ou para os campi de universidades — mercados com alta concentração de jovens e profissionais técnicos — para garimpar as pessoas de que precisam. Contudo, elas enfrentam maior rotatividade e problemas de retenção. Com ampla oferta nas redondezas, as pessoas conseguem facilmente mover para outros empregadores.
A dificuldade das grandes corporações em acertar a mão para contratar os talentos digitais é tanta que abre espaço para diversos prestadores de serviços. O empreendedor Guilherme Junqueira conta que, quando tinha uma startup de software, frequentemente perdia funcionários para clientes que, não sabendo como contratar, achavam mais fácil “roubar” do fornecedor. Um dia, um desses clientes deu a ideia: por que Junqueira não educava os profissionais para o mercado? E assim nasceu a Gama (nome do raio que transforma o cientista Robert Bruce Banner no incrível Hulk), startup que forma e recruta profissionais especificamente de quatro áreas: programação, design, marketing e vendas. Segundo seu CEO, em 2016 a Gama empregou 60% dos profissionais capacitados; em 2017, 90% — ou cerca de 300 pessoas.
A pesquisa do MIT mostra que 30% dos vice-presidentes e diretores de empresas que afirmam que seu empregador não dá oportunidades para se desenvolverem no ambiente digital planejam sair da companhia em menos de um ano. A tecnologia pode evoluir rapidamente, mas o garimpo pelos talentos digitais caminha na velocidade das antigas minas.