O setor sucroenergético de todo mundo, em especial o brasileiro, foi do céu ao inferno de um dia para o outro em março deste ano. Como se diz popularmente foi formada a “tempestade perfeita”.
Dois fatores geraram a crise atual, a maior da história do setor, que de acordo com os prognósticos do Fundo Monetário Internacional-FMI divulgados essa semana a maior crise econômica mundial desde a grande depressão de 1929.
O primeiro fator foi a baixa demanda por biocombustíveis, devido à pandemia de Covid-19; já o segundo foi a queda na competitividade do etanol devido a drástica redução dos preços do petróleo gerada pela guerra comercial entre a Arábia Saudita e a Rússia. A "guerra" dos gigantes do setor fez o petróleo despencar de US$ 50,00 o barril para US$ 20,00 dólares no início de março. Atualmente, o barril é comercializado em média a US$ 32,00.
Nas primeiras semanas da crise, produtores de toda a cadeia produtiva do biocombustível se viram em quase situação de desespero, sem prognósticos a curto e médio prazo e sem nenhuma sinalização de auxílio do Governo Federal, que fez um silêncio assustador sobre o assunto. Somente depois do governo americano anunciar medidas para proteger sua cadeia do biocombustível. Finalmente, na última segunda-feira, dia 13, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina anunciou que o governo brasileiro estudou formas para ajudar os produtores brasileiros. Entre as medidas, estariam a retirada da cobrança do PIS/Cofins sobre o etanol e o aumento na Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) para a gasolina.
Para analisar este cenário e o futuro do biocombustível no Brasil e no mundo, a União Nacional da Bioenergia (Udop) promoveu na terça-feira (14/04) um debate online (webinar) com especialistas do setor e representantes dos produtores.
O MT Econômico acompanhou a webinar e traz boas notícias para o setor, pois a longo prazo os especialistas estão bastante otimistas. Eles acreditam que as energias limpas, em especial o biocombustível, terá fortalecimento após a crise provocada pelo novo coronavírus, isto porque o mundo dará mais valor e irá priorizar a saúde pública e a preservação do meio ambiente, sendo dois campos dos quais o biocombustível é símbolo, e segundo os participantes do encontro online, ninguém entende mais de biocombustível que o Brasil.
Participaram do debate online Luiz Carlos Corrêa Carvalho – Caio, diretor da Canaplan e consultor da Udop; Jacyr da Costa Filho, presidente do Cosag (Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp) e membro do Comitê Executivo do Grupo Tereos; Pedro Robério de Melo Nogueira, presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool do Estado de Alagoas; e Luiz Augusto Horta Nogueira pesquisador e coordenador do Bioen – Programa FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) em Bioenergia.
A seguir o MT Econômico traz os principais pontos abordados sobre as perspectivas de futuro para o setor com base na visão dos especialistas.
Curto e médio prazo
Os participantes destacaram que a crise gerou um ponto extremamente positivo, que foi a união de toda a cadeia produtiva sucroenergética, de produtores a pesquisadores, para levar até o Governo Federal medidas para amenizar os prejuízos provocados gerados no momento atual, algo que jamais havia acontecido no país.
A conclusão é que os efeitos da crise do coronavírus sobre o setor são pontuais, ao contrário de outras crises que já atingiram a indústria do etanol no Brasil ao longo de sua história. A crise afeta o setor de combustível como um todo, mas a demanda voltará a crescer assim que a paralisação comercial em decorrência da pandemia passar.
A curto e médio prazo, o setor sucroenergético irá precisar das medidas econômicas que estão sendo adotadas pelo Governo Federal para socorrer empresas, estados e municípios, assim como a maioria das indústrias e todo o setor produtivo nacional. Além disso, é fundamental ações específicas para o biocombustível, como as medidas que já estão sendo estudadas pelo Ministério da Agricultura, como a retirada da cobrança do PIS/Cofins sobre o etanol e o aumento na Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) para gasolina.
Uma das preocupações a curto prazo é com os estoques e o armazenamento do etanol, já que "a cana não pode esperar o momento da demanda adequada para ser colhida", e o açúcar e etanol não vão deixar de ser produzidos, destaca presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool em Alagoas, Pedro Roberio de Melo Nogueira.
Rússia X Arábia Saudita
Para o presidente do Cosag (Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp) e membro do Comitê Executivo do Grupo Tereos, Jacyr da Costa Filho, a guerra comercial entre Arábia Saudita e Rússia, iniciada em fevereiro e que fizeram despencar os preços do petróleo, não perdura por mais de alguns meses, já que ambos estão perdendo dinheiro e não vão querer manter a situação por muito tempo.
Os dois países já estão em negociação com a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleos e aliados) para chegar a um consenso. Até porque, a “guerra” teve início antes do planeta ser atingido pela pandemia da Covid-19 e a queda histórica na demanda por combustíveis. Os cortes na produção se anunciam monumentais para manutenção do mercado.
“Os dois países vivem de petróleo e não vão conseguir perder dinheiro por muito tempo. São gigantes do setor e não são bobos de ficar jogando fora. Logo chegam a um consenso”, conclui Jacyr da Costa Filho.
Futuro otimista
Jacyr da Costa Filho é o mais otimista em relação a valorização do biocombustível, em especial o etanol, passado o susto gerado pela crise mundial. Para ele, o mundo passará a dar destaque para a saúde pública e neste quesito o uso de energias limpas será primordial. Ele destacou um estudo da Universidade de Harvard sobre o novo coronavírus, apontando que a maior incidência da doença ocorre justamente em locais com maior poluição do ar. “A valorização da saúde pública terá um impacto direto sobre o etanol. Serão buscadas saídas sanitárias para saúde pública. O etanol será visto como um purificador do ar. O biocombustível será visto cada vez mais como um benefício para a saúde pública”.
A mesma visão é compartilhada pelo pesquisador da Fapesp, Luiz Augusto Horta Nogueira, que acrescenta a conservação do meio ambiente como outro ponto a ser valorizado após a crise. Para ele, o mercado do etanol se tornará muito mais dinâmico passado a pandemia; o Brasil está muito à frente de todos os outros países na questão da tecnologia e uso do biocombustível, além de possuir riquezas naturais que somente agora outros países passarão a valorizar e que irão impulsionar a produção do biocombustível com o incremento de outras biomassas na produção.
“Os fabricantes já estão investindo em modelos de automóveis com uso de etanol que terão praticamente o mesmo desempenho obtido com o uso da gasolina. A FIAT Chrysler está testando alguns modelos que estão para ser lançados”, conta Horta. Para ele, um ponto que não pode ser perdido pelo governo brasileiro é o investimento em pesquisa e tecnologia, algo que já vinha acontecendo no governo Bolsonaro. Os dois campos estão diretamente ligados ao desenvolvimento da indústria nacional. “Nosso otimismo com o futuro é baseado em conhecimento do setor”, destaca Horta.
O ponto negativo pós-pandemia seria o acirramento de medidas de protecionismo e o fechamento de mercados mundiais, impulsionados por governos populistas, como o de Donald Trump nos Estados Unidos. Os participantes lembraram que a OMC (Organização Mundial do Comércio) já vive um momento de extremo enfraquecimento.
Renovabio
O programa nacional de valorização do biocombustível, o Renovabio, foi destaque no debate. Para os participantes, o programa é uma grande conquista brasileira – não existindo igual em outros países – deve continuar, apenas passar por alguns ajustes. Para Luiz Augusto Horta Nogueira, o programa está criando um inigualável banco de dados sobre a cadeia produtiva do biocombustível no Brasil, já que as usinas e unidades precisam fornecer todos os dados de produção para estarem inseridas no programa, e isto será um grande ativo para o Brasil.
Para Pedro Robério de Melo Nogueira o que ainda falta é o Renovabio ser uma unanimidade entre os políticos e governantes. Para ele, muitos ainda não veem o programa como algo fundamental para o país, o que deve ser trabalhado pelo setor.
Leia mais – Opinião: Um futuro conciliatório para as grandes hidrelétricas