Como o cadastro de animais em risco gerou "grande repercussão negativa no setor pesqueiro" e prejuízos econômicos, o ministério da Agricultura (Mapa) pediu ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, a suspensão da lista de espécies aquáticas ameaçadas de extinção.
A "Lista Nacional das Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção – Peixes e Invertebrados Aquáticos", publicada em 2014, busca identificar espécies que estejam de alguma forma em risco e proíbe captura, transporte, armazenamento, guarda, manejo, beneficiamento e comercialização dos animais listados.
A lista foi feita a partir da avaliação de risco de 5.148 espécies, incluindo 100% dos peixes marinhos e continentais conhecidos em território brasileiro, coordenada pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade). Dessas espécies, 475 (9%) foram classificadas como ameaçadas de extinção, dos quais 98 são peixes marinhos, 311, peixes continentais e 66, invertebrados aquáticos.
Na lista vermelha de peixes ameaçados de 2018, as 410 espécies estão divididas entre vulneráveis, em perigo e criticamente em perigo.
No documento de pedido de suspensão ao qual a reportagem teve acesso, um dos alvos de crítica da Secretaria de Aquicultura e Pesca (SAP), parte do Mapa, é a utilização de metodologias da UICN (União Internacional para Conservação da Natureza) para a elaboração da lista de espécies ameaçadas.
A UICN é uma entidade internacional composta por governos, agências governamentais e ONGs, e responsável pela lista vermelha de espécies ameaçadas, relação respeitada e adotada internacionalmente.
"O Brasil deve se orientar pelos seus próprios critérios para definição e adoção das políticas públicas que afetarão a fauna e a todos os brasileiros e não por critérios de ONGs internacionais", afirma o documento do Mapa que pede a suspensão da lista nacional.
O pedido, assinado por Jorge Seif Júnior, secretário de aquicultura e pesca, é considerado dentro do MMA (Ministério do Meio Ambiente) uma tentativa de reviver críticas antigas à lista de espécies ameaçadas, que há anos sofre pressão de organizações pesqueiras e já passou por duas suspensões devido a decisões judiciais. A portaria, contudo, voltou a vigorar no início de 2017.
A indústria pesqueira e o documento da SAP argumentam que a elaboração da lista não é responsabilidade exclusiva do MMA e que o Mapa e entidades do setor deveriam ser ouvidos.
Segundo membros e ex-servidores do MMA, o então Ministério da Pesca participou do processo em grupos de trabalho. Eles também afirmam que a lista tem um caráter científico de definição de grau de risco de extinção.
A nota técnica da SAP também critica o descarte de peixes ameaçados capturados incidentalmente e afirma que a lista contribui para desperdício de alimentos. "Ressalta-se que somos favoráveis à conservação ambiental, porém, de forma sustentável econômica, social e biologicamente. Pois, entendemos que simplesmente preservar espécies marinhas sem pensar na abordagem ecossistêmica não traz efetividade nem ao recurso pesqueiro nem ao bem-estar humano dos que sobrevivem da atividade de pesca no país."
Especialistas e membros atuais e ex-servidores do MMA ouvidos pela reportagem afirmam que as críticas não têm fundamentação técnica.
Um dos pontos limitantes nessa análise é a qualidade dos dados disponíveis. Segundo os pesquisadores ouvidos pela reportagem, há dados mais fiéis à realidade para apenas algumas espécies e algumas regiões do país, como no estado de São Paulo, e, ao mesmo tempo, existe um vácuo de informações estatísticas oficiais em nível nacional.
"A Portaria 445 tem diversas controvérsias, não foi discutida com setor, foi publicada às pressas no apagar das luzes de ex-ministros", diz o secretário. "Por fim foi baseada em estatísticas indisponíveis de audição. Passou da hora de abrir essa caixa de Pandora e sentar na mesa com os protagonistas dos setores."