É interessante notar que os sistemas energéticos adaptam-se às formações socioeconômicas e aos modos de produção que os estruturam, com características técnicas herdadas da Idade Média. Basta apreender as perspectivas do aproveitamento da biomassa energética, dos conversores eólicos e dos conversores hidráulicos e animais utilizados pela humanidade ao longo do tempo. Basicamente, temos evoluído, sob a orientação do “sacrifício do rendimento à potência”, para realizar balanços exatos de utilização da energia pela sociedade contemporânea e para uma análise energética visando uma ótima gestão dos recursos naturais.
A política energética que gere o sistema energético está sob pressão e, particularmente, mesmo que o setor elétrico reconheça que os seus sistemas apresentem caráter acumulativo, vida longa, menor suscetibilidade para alterações de equilíbrio entre os seus componentes, além das dificuldades naturais para se produzir uma fração marginal de energia, através de novos conversores, ele deve entender, agora, as novas escolhas, formas e apropriação das fontes. Não que ele não entenda, mas, deve incumbir-se de preparar novos caminho e papel na dinâmica dos sistemas.
Neste aspecto, com relação à apropriação dos recursos naturais (energéticos, como o solar, a biomassa vegetal, o vento), parece que estamos reavaliando um conceito econômico primitivo, do século XVIII, de que toda a renda é, fundamentalmente, energética. Há um clamor pela energia renovável solar fotovoltaica individual, cujo tema se apresenta com forte conteúdo de desinformação e erros de interpretação pela sociedade. Trata-se de resolver uma inequação, assim como para outras fontes, colocando em evidência, na concepção das regulagens, o intercâmbio do progresso técnico, a avaliação diferencial dos custos e rendas obtidas pelas quantidades de energia produzidas individual e coletivamente e a eficiência global do sistema.
Um dos melhores atributos dos sistemas energéticos – a sua elasticidade técnica – tirou a inércia relativa característica destes sistemas com o avanço notável dos equipamentos, componentes e instalações nestas duas últimas décadas. Uma reflexão sumária do setor elétrico nos conduz a várias dicotomias: o aperfeiçoamento tecnológico proporciona inovações, estruturas industriais inteligentes e mais bem-estar, o acesso às fontes renováveis, uma nova distribuição energética, aumento da eficiência e racionalidade no uso; por outro lado, o setor sofre com o conflito destas mudanças, com as restrições da expansão via combustíveis fósseis, com a massificação disforme das fontes renováveis, à procura de uma saída para a energia nuclear e do carvão, com a valorização da biomassa, com a resistência à produção hidráulica em larga escala por usinas de grande porte ou por pequenas centrais, com o planejamento da geração centralizada e da geração distribuída e sua inserção nas redes, enfim, com a busca de uma bem sucedida política energética socialmente expressiva.
Entre as dicotomias, ainda, estão a segurança energética versus segurança financeira, a integração dos sistemas energéticos, hídricos e ambientais, os subsídios e encargos nas tarifas, as diferenças entre a hidreletricidade e a termeletricidade, as repartições dos ônus e desvantagens financeiras e econômicas entre os consumidores e, quando em crise (ou não), respostas regulatórias, normalmente nas tarifas, para compensar perdas de receita das concessionárias em toda a cadeia de energia elétrica combinadas com a gestão complexa das variáveis que envolvem o setor.
Parafraseando os colegas da Excelência Energética José Said de Brito e Cristóvão Soares de Faria Júnior (2010), “vender energia elétrica é um bom negócio; só não é melhor do que gerar”, com alusão à regulamentação dos preços de comercialização de eletricidade entre consumidores livres, autoprodutores e produtores independentes – outro desequilíbrio de vantagens e desvantagens entre os agentes.
A indústria da energia elétrica já é tutelada fortemente por vasta legislação. Sob uma tríade de perspectivas – econômica, social e ambiental, emergem dos órgãos públicos as mais diversas regras e princípios para normatizar a gestão setorial que compreende as atividades de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, mas que também criam tensões com as variáveis socioambientais e divergências nos relacionamentos institucionais (observem como o mundo jurídico utiliza o mosaico Código das Águas de 1934 para atuar no setor elétrico). Agora, pretende-se instituir um Código Brasileiro de Energia Elétrica que compila leis, normas e regulamentos. Há bons motivos para não criarmos outras bissetrizes no setor elétrico que está circunscrito num manto de legalidade sob os olhos do ente regulador que carrega um grande desafio, sujeito às regras postas a cada questão, qual seja o de equilibrar os interesses de todos os agentes com a hipossuficiência da maioria dos consumidores, agindo em favor da sociedade. Todos devem sofrer e auferir os benefícios ao mesmo passo.
Ivo Leandro Dorileo é Presidente da Sociedade Brasileira de Planejamento Energético – SBPE