Mesmo com todas contradições do progresso no início do século XX, o quadro de transformação e euforia criado pelas inúmeras invenções tecnológicas, cenário em que surgiu o automóvel, impôs uma nova realidade urbana a um mundo resistente, processo este que não foi diferente na cidade de Cuiabá. Com seus faróis iluminando o caminho para a “civilização”, o carro em Cuiabá ligava o motor da ideia de modernização, transporte e comunicação.
Desde sua invenção na Europa nos últimos anos do século XIX, assim como o trem nos meados do século XIX, o carro suscitou sonhos e anseios. Nosso ilustre professor, Fernando Tadeu de Miranda Borges, nos brindou com a ideia do “trem” na direção do civilizado e moderno, exemplo simbólico deste medo e desta esperança de mudança, visto que a mudança está assentada sobre uma “cultura da esperança”: “[…] a espera e a esperança no trem, há mais de cento e cinquenta anos presente no imaginário cuiabano estão entrelaçadas de forma bastante intensa com o mundo moderno, que caminha para uma estação que dizem existir em algum lugar desconhecido, nesse labirinto de inúmeras incertezas denominado individualismo[…][1]”.
O trem não chega de fato, mas o automóvel a combustão interna, sem muita cerimônia, invadiu e percorreu as ruas cuiabanas inovando o transporte urbano, trouxe para si a ideia de transformação da sociedade, para o progresso, protagonizando intervenções no cotidiano da cidade[2].O automóvel é o símbolo por excelência do moderno no início do século XX. Sua chegada a diferentes partes do mundo ilustra a trajetória irresistível da mobilidade. […] o piloto introduz o não visto e o estranho, na forma de antecipação do futuro. Vem de longe anunciando grande transformação.
No fim do século XX as novas tecnologias, entre elas o automóvel, vão invadir definitivamente a maneira de viver das pessoas. Impondo novos sentidos e rumos à existência humana, o entendimento sobre tempo e espaço foram totalmente revistos. Essa imposição é:“Invisível pelo fato de que estas técnicas entram de uma maneira sutil e impositiva em nossos cotidianos, em um movimento no qual tudo agora parece indispensável. O desenvolvimento técnico redefine, a cada passo, as necessidades sociais[3]”.
Em 1914 o processo de modernização começa, cinco anos antes da inauguração da primeira linha de auto-ônibus em Cuiabá. A sociedade e a civilização criadas por e para a burguesia liberal ocidental, representavam não a forma permanente do mundo industrial moderno, mas apenas uma fase de seu desenvolvimento inicial, e não ocorre nesse período como poderemos constatar, mas é um start inicial. De uma forma ou de outra, o período parecia antecipar e preparar um mundo qualitativamente diferente do passado. E assim acabou sendo a partir de 1914, mesmo se não da maneira esperada ou prevista pela maioria dos profetas […]. Bem ou mal. Desde 1914 o século da burguesia pertence a história[4].
O impacto dos automóveis pelas ruas de Cuiabá entre 1930 e 1970, é objeto da história da modernização da cidade de Cuiabá, e suas interferências, quando inseridos ao contexto e cenário da cidade, no papel de artefato tecnológico, se tornam produtores de conhecimento que permitem análise do espaço ao serem tratados como símbolos apropriados e representados pela população, ante a reconfiguração das práticas sociais articuladas à ideia de progresso e modo de vida moderno.
O automóvel, sem dúvida, impôs transformações à cidade que, mesmo sob resistência, irá reconfigurar espaços, em novas perspectivas da população pois, das experiências vividas, onde as relações entre os atores, e destes com a natureza, são relações permeadas pelos sentimentos e pelos simbolismos atribuídos aos lugares. São espaços apropriados por meio de práticas que lhes garantem uma certa identidade social/cultural.[5]
Esta perspectiva é a que cria “o ser progressista”, onde: Esses novos artefatos, mais do que injunções de natureza econômica, contribuem para a reestruturação da forma de viver, tanto porque facilitam o cotidiano dos indivíduos (ainda que inicialmente tenham sido mesmo os membros das elites os que podiam ter acesso a essas novas benesses modernas) quanto porque explicitam símbolos que expressam a construção de um novo ideário[6]. Salve a bem-vinda notícia do progresso, que se abram avenidas, o automóvel chegou.
[1]DE MIRANDA BORGES, Fernando Tadeu. Esperando o Trem: sonhos e esperanças de Cuiabá. São Paulo. Scortecci, 2005
[2]GIUCCI, G. A vida cultural do automóvel. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.
[3] SCHOR, Tatiana. O automóvel e o desgaste social. São Paulo em perspectiva, v. 13, n. 3, 1999.
[4] HOBSBAWM, Eric John. A Era dos Impérios: 1875-1914. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1988.
[5]BOLIGIAN, Levon; ALMEIDA, Rosângela Doin de. A transposição didática do conceito de território no ensino de geografia. In: GERARDI, Lúcia Helena de Oliveira (Org.). Ambientes: estudos de Geografia. Rio Claro: Programa de Pós-Graduação em Geografia; Associação de Geografia Teorética, 2003. p. 241. Para Boligan, o território é o sentido da dimensão de vínculo, de uma parcela da sociedade local, com o território, com o simbólico, na representação da identidade e com o poder.
[6] DE MELO, Victor Andrade. O automóvel, o automobilismo e a modernidade no Brasil (1891-1908). In: Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 30, n. 1, p. 187-203, set. 2008.
Coluna Especial sobre Setor Automotivo
Colunista MT Econômico: Ricardo J. J. Laub Jr.
Historiador e Empreendedor graduado no Curso de Licenciatura Plena em História na UFMT- Universidade Federal de Mato Grosso e em EMPREENDEDORISMO (2005) pelas Faculdades ICE. Com Mestrado em História Contemporânea pela UFMT/PPGHIS. MBA – Master in Business Administration em Gestão de Pessoas, MBA – Master in Business Administration em Gestão Empresarial e MBA – Master in Business Administration em Gestão de Marketing e Negócios. Professor na faculdade, Estácio de Sá – MT, Invest – Instituto de educação superior. Presidente da AGENCIAUTO/MT- Associação do Revendedores de Veículos do Estado de Mato Grosso, com larga experiência profissional na elaboração de planos de negócio voltados para o ramo automobilístico, gerenciamento comercial, administrativo, controle de estoque, avaliação de veículos, processos operacionais e estratégicos para empresas do setor automotivo e gestão de pessoas no âmbito organizacional.